quinta-feira, 19 de maio de 2011

Para ler no caminho



Nas horas tristes, filho, não diga nada. Coloque um silêncio bem alto no aparelho de som. E comece a escrever bem baixinho. (Chorar até que pode, desde que não lhe embace a vista.) Só não pare: tristeza é pra escrever. Tome posse dessa dor que é toda sua. Até que passe e venha outra mais bonita.
Guarde bem o que lhe digo, filho: não se esqueça de sonhar.
Mesmo que o sonho seja pagar a última prestação da geladeira – para então começar a sonhar com o fogão de seis bocas. Cada sonho tem um dono, uma dimensão e um caminho. Mas o sabor da conquista nasceu para todos.
Há quem sonhe ter um filho. Uma casa. Carros. Há quem sonhe fazer mais que ter. Viajar pelo mundo. Voltar com a namorada. Há quem sonhe sair do vermelho. Para depois sonhar com a mansão e o reino. Vale sonhar até com a paz. É sempre um bom jeito de seguir em frente.
Sonhar, sim, é um adianto. Levar consigo um ou dois sonhos grandes, como cães de estimação. Não é de um dia para o outro, não é magia nem clique. É trabalho demorado, do tamanho da alegria de abrir o presente que virá.
 Há quem tenha as coisas todas antes mesmo de sonhar com elas. É gente que vive a vida anestesiado. E a ela assiste como a um filme, em que não há o que ser mudado.
 Ao realizar um sonho, invente logo outro. E assim por diante.
 Saiba desistir também, filho. É nobre a coragem de desistir. A de se reconhecer falível – porque ser infalível é muito chato. Há sempre outro sonho a ser perseguido. E, muitas vezes, é na desistência que mora o sonho, embora muitos de nós não o admitam.
 Desista de méritos bobos, vaidades que não levam a nada. Desista de provar as coisas para si mesmo ou pra mim. Sabemos do que você é capaz.
Mas tome cuidado com o medo, filho. É dele que devemos ter medo. Tudo há para temer. Até mesmo o que não tem chance de acontecer.
 Medo é para nos dar medida, não para nos tapar a vista. Não para nos fazer fincar o pé em plena estrada ensolarada – onde também há de chover. Medo é para que sigamos adiante dele.
Mergulhe. Entregue seu corpo aos dias sem medo do vento. Ouça o seu coração batendo forte para ter a certeza de estar respirando.
E saiba: o que você tem de mais precioso é a sua inexperiência. Ela é o oposto do vazio, é um mundo de possibilidades.
Inexperiência é esquecer esta carta. E, lá na frente, lembrar o que já tinha aprendido. Nunca ter feito é poder fazer muito. E se arriscar sem vícios, traumas ou fobias. É olhar de criança que brinca com o novo.
Inexperiência é uma espécie de coragem. Coragem até para fazer o impossível – justo por não sabê-lo assim.
Já a experiência traz o senso crítico – e é aí que começa o problema. O tal senso monta guarda para lhe impedir de fazer sem pensar. E lhe proíbe o impulso de subir no palco, escrever um livro, ter ideias ingênuas e colocá-las em prática. (Aquelas tais ideias que provocam a clássica pergunta: “Por que eu não pensei nisso antes?”). Com senso crítico, você sempre vai pesar os prós e os contras. E os contras haverão de ganhar.
Você pensa que eu cresci, filho, mas foi só por fora. Continuamos todos crianças, só que formatados para o que deve ser. Permanece o egoísmo, o desejo pelo brinquedo do outro, o ciúme e o não compreender. Ainda insiste a vontade de ouvir histórias. Continuamos querendo atenção – e alguém que nos faça dormir. (A diferença é que a gente disfarça.)
Desista de crescer, fique criança para sempre e não esconda isso. Olhe mais para o sonho que para o medo. Dê algumas boas gargalhadas diárias, imaginando os pulos macios nas nuvens de sonho. Exercite a teimosia do menino que sabe o que quer, para repetir e persistir. Até aprender.
Quero lhe dizer, filho, que muitas coisas virão pelo caminho para lhe tirar o sono. Mas nenhuma delas será resolvida no frescor da madrugada. E, ao adormecer exausto, acorde apenas o motivo bom para acordar no dia seguinte. (E ao abrir os olhos, lembre-se de abrir também um sorriso.)
Esqueça o que lhe tira o sono. Simplesmente durma embalado pela pulsão de acordar amanhã.
Amém!

        Por Cris Guerra

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